segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Liberdade de imprensa

Denis Lerrer Rosenfield


Há 143 dias o jornal O Estado de S. Paulo está sob censura. O número é propriamente assustador, dificilmente imaginável num país que vive sob regime democrático. As idas e vindas desse processo, afora as tecnicalidades jurídicas, mostram quão difícil é viver num regime de liberdades, porque os que se articulam contra ele se fazem perigosamente presentes.

O Supremo Tribunal Federal deu um exemplo à Nação quando aboliu a Lei de Imprensa, que era um resquício do regime autoritário. Naquele então, chegou a se esboçar uma discussão, aliás, pertinente, sobre se não se criaria um vácuo legal no sentido da proteção de algumas liberdades individuais. Foi, no entanto, vencedora a proposta de que o mais importante consistia numa afirmação de princípio, consoante com os fundamentos de nossa Constituição. A liberdade de imprensa, naquele momento, foi elevada a princípio incontestável.

Observe-se o valor de tal afirmação de princípios, sobretudo considerando que o atual governo tentou, com a proposta de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, fazer valer princípios corporativos que poderiam atentar contra essa mesma liberdade. Considere-se igualmente que o entorno latino-americano é dos mais perigosos para a liberdade de imprensa, com Hugo Chávez, na Venezuela, procurando suprimi-la, com Cristina Kirchner, na Argentina, procurando cerceá-la, e com Rafael Correa, no Equador, tentando restringi-la severamente. Os algozes da democracia estão fortemente estruturados na América Latina, no interior de sua proposta socialista autoritária. Realce deve, portanto, ser dado a essa decisão anterior de nossa mais alta Corte.

No entanto, o mesmo Supremo, confrontado com um recurso do Estadão, voltou atrás em relação aos princípios por ele assegurados. É bem verdade que tecnicalidades jurídicas podem ter influenciado essa decisão. Há, contudo, algo bem maior aqui em causa, relativo ao princípio mesmo da liberdade de imprensa versus uma questão processual. O paradoxo consiste em que a nossa Suprema Corte, confrontada com uma questão de princípio, função primordial sua, optou por uma resposta processual, que deixa a descoberto o fundamento de nossa Constituição. A hora era emblemática: a de afirmação de uma questão de princípio, diante dos já longos 143 dias de censura completados hoje. Para um regime democrático, é uma eternidade.

O assunto reveste-se ainda de maior gravidade porque a censura em questão visa a proteger o filho do presidente do Senado, ex-presidente da República, envolvido em vários atos considerados ilícitos pela Polícia Federal. Ele está sob investigação da Operação Boi Barrica, com gravações telefônicas que parecem atestar uma série de condutas não condizentes com o ordenamento jurídico de nosso país. Até diria que o filho de um ex-presidente deveria ser um exemplo para o País, e não o contrário. Acontece que ele se encontra na iniciativa da ação de censura, que terminou acolhida por um juiz amigo da família, flagrado numa foto festiva de confraternização. Para o cidadão comum, estamos diante de um "privilégio".

O que é um "privilégio"? Segundo o Dicionário Houaiss, privilégio significa "direito, vantagem, prerrogativa, válidos apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria; apanágio, regalia". A sua etimologia vem do latim "privilegium, ii, "lei excepcional concernente a um particular ou a poucas pessoas; privilégio, favor, graça"; ver privilegi-; f.hist. sXIII privilegio, sXIV priuylegyos, sXV preuilegio". O seu elemento de composição é "antepositivo, do lat. privilegium, ii, "lei excepcional em favor de um particular; privilégio"". A censura é, nesse sentido, um privilégio.

Privilegiados são, portanto, aqueles que gozam de um direito exclusivo, usufruindo legalmente vantagens em detrimento dos outros. Privilégio é uma lei cuja validade é apenas particular, dirigida a um grupo social, a um estamento, a um conjunto determinado de indivíduos, por razões corporativas, sociais, sexuais, raciais, profissionais, econômicas ou outras. Trata-se de uma "lei excepcional", direcionada exclusivamente a um grupo de pessoas. No caso, os interesses de um grupo regional que usufrui, oligarquicamente, suas posições políticas.

A situação é tanto mais grave que ela contrasta com outros escândalos que têm permeado a História recente. Apesar de nossos graves e constantes problemas de "imoralidade pública", com corrupção e desvio de recursos públicos povoando nossas páginas políticas, que mais parecem páginas policiais, o País tem crescido com isso. E tem crescido graças à publicização dada a esses atos ilícitos, mostrando e flagrando políticos cujo currículo mais se assemelha a uma folha corrida. Há mesmo uma iniciativa popular, já apresentada à Câmara dos Deputados, impedindo que políticos condenados em primeira instância possam candidatar-se. Uma iniciativa tão louvável não teria sequer ocorrido se a imprensa e os meios de comunicação em geral não tivessem exercido a sua função. E essa sua função está assentada justamente no exercício da liberdade.

Os últimos anos foram os dos mensalões: do PT, do PSDB e do DEM. Foram exaustivamente expostos pela imprensa, dando aos cidadãos a possibilidade de julgar. Não houve nenhum cerceamento à liberdade. Os meios de comunicação, e a imprensa em particular, agiram sem nenhuma trava. Os envolvidos podem ter sido prejudicados, alguns alegando inocência, outros dificilmente podendo sustentá-la. Estão eles no seu direito de ser ressarcidos, em sua honra, se tiverem sido injustamente condenados pela opinião pública. Não houve, no entanto, censura e o País fez e continua fazendo o aprendizado de seus erros. Erro maior consiste, porém, na manutenção da censura, pois esta, sim, é irreversível e, a médio prazo, extremamente daninha para as instituições democráticas. 

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. 
E-mail:denisrosenfield@terra.com.br

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Os cenários para o PPS e para Soninha em 2010

E natural que um partido faça uma avaliação permanente do cenário político para definir as suas estratégias. E o ano de 2010, para o PPS, mostra-se cheio de desafios e esperanças.
No quadro nacional, já é clara a definição pelo apoio ao tucano José Serra para a Presidência, com uma movimentação explícita para fazer do seu colega mineiro Aécio Neves o candidato a vice-presidente.

Em São Paulo, o PPS anunciou a pré-candidatura de Soninha Francine ao Governo do Estado. Com índices de 7% a 9%, a ex-vereadora aparece nas pesquisas bem à frente de nomes comoAntonio Palocci, o possível candidato petista, ou o tucano Aloísio Nunes Ferreira, nome cada vez mais improvável.


No PSDB, a candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) parece consolidada com a perspectiva de vitória no primeiro turno. Outro nome que venceria fácil no primeiro turno, se a eleição fosse hoje, seria o governador José Serra buscando a reeleição. Mas a anunciada desistência de Aécio Neves empurra Serra para a corrida presidencial.

Soninha Senadora?

É aí que se revela outro cenário possível para o PPS. Os resultados do 
DataFolha apontam que Soninha Francine será a grande novidade das próximas eleições.

Para o Senado, Soninha seria a mais votada na Capital com 35% dos votos, seguida pelo senador petista Aloizio Mercadante, que busca a reeleição. No interior, Soninha aparece com 13% dos votos - e é aqui que ela deveria melhorar seu desempenho para obter uma das duas vagas disputadas em 2010.

Entre os eleitores mais jovens, Soninha é também a que recebe mais apoio. Ela fica com 34% na faixa entre 16 e 24 anos, seguida por Netinho de Paula (29%), Mercadante (25%), Quércia (23%) eTuma (13%).

Os recentes escândalos do Senado - e da política em geral - levam o eleitorado à renovação. Nomes como Tuma e Quércia significam para o eleitorado a velha política, que precisa ser combatida. O próprio Mercadante, envolvido com escândalos petistas e na defesa insana de Sarney, perdeu essa característica de político diferenciado.

Uma terceira opção, além de Soninha candidata ao Governo ou ao Senado, começa a ser discutida dentro do próprio PSDB. Seria o convite para ela ser vice de Geraldo Alckmin na disputa estadual.

O importante é que o PPS consegue se estabelecer em São Paulo com esta postura ética e inovadora, uma nova prática política, idéias diferenciadas e identificadas com o que busca a população paulista. Que venha 2010!

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Sexo e poder são os principais atrativos para recrutamento de jovens para o tráfico

Policiais na favela Vila Cruzeiro - Penha, no Rio de Janeiro

Marina Lemle
Especial para o UOL Notícias
No Rio de Janeiro

A sensação do poder armado e a conseqüente facilidade de conquistar mulheres são os grandes estímulos que levam crianças, adolescentes e jovens a entrarem para o tráfico, já que a atividade não rende mais financeiramente o que rendia há alguns anos. Essa é uma das principais conclusões da pesquisa "Meninos do Rio: jovens, violência armada e polícia nas favelas cariocas", lançada nesta segunda-feira no Rio de Janeiro. O estudo foi promovido pelo Unicef e coordenado pela cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes.
Especial sobre os confrontos no Rio

Em entrevista exclusiva para o UOL, a autora contou que a capacidade das armas de atrair meninas - as chamadas "Maria Fuzil" - surgiu como um comentário constante nas entrevistas feitas com jovens, mães, lideranças comunitárias e técnicos de projetos sociais do Complexo do Alemão e de favelas e bairros da Zona Oeste do Rio. Além de sete grupos focais, reunindo 87 jovens, técnicos e mães, foi realizada uma pesquisa quantitativa executada por 14 jovens que entrevistaram 241 rapazes e moças de 14 a 29 anos.
Outra revelação do estudo é que as razões alegadas para a entrada no tráfico são as mesmas que as de saída ou não entrada. "A única coisa realmente comum a todos os jovens que ingressam no crime é a presença de grupos ilegais armados na esquina de casa", diz Silvia. Para a pesquisadora, enquanto durar o controle territorial por traficantes e milícias em favelas do Rio, alguns jovens, mesmo sem convicção, vão "experimentar a vida".
Veja abaixo trechos da entrevista, feita no final de semana no Rio de Janeiro.
O que estimula crianças e adolescentes a entrarem para grupos armados em favelas cariocas?
Silvia Ramos -Muitas vezes, as "causas" que explicariam porque um jovem entrou para o tráfico eram as mesmas que explicariam por que outro jovem não entrou. Famílias desestruturadas, falta de dinheiro, pais violentos, parentes envolvidos no tráfico... ouvimos de jovens que hoje estão na universidade que estas foram exatamente as razões para fugirem do crime e buscarem alternativas. As chamadas causas clássicas, sócio-econômicas, parecem hoje, mais do que em qualquer outro momento, muito frágeis para ajudar a compreender as forças que fazem de um trabalho que paga pouco e é perigoso ser ainda atraente para alguns.
Então o que os leva a correr tamanhos riscos?
Silvia Ramos -A capacidade das armas para atrair meninas surgiu como um comentário constante não só de traficantes, ex-traficantes e jovens de projetos, como de mães e assistentes sociais que trabalham com jovens nas favelas. Luiz Eduardo Soares e outros autores já tinham chamado a atenção para os aspectos simbólicos, ligados à afirmação e à visibilidade, envolvidos nas dinâmicas da violência armada. Mas certamente o que há de mais comum em todas as histórias é a presença, dentro da favela, na esquina perto de casa, de grupos armados ostentando armas e "mandando no pedaço". Como a "experiência", o "ir e vir", é uma característica da juventude contemporânea, experimentar a vida no crime poderia ser apenas uma passagem. Mas algumas vezes a passagem é fatal e esse garoto mata, morre ou vai preso.
Quais as principais conclusões do estudo?
Silvia Ramos -A conclusão principal é que é preciso ouvir os que estão no tráfico, os que saíram e os que trabalham no dia a dia das favelas com os jovens. Nós construímos estereótipos e certezas sobre o tráfico, as armas, as drogas e o crime, quando na verdade o mundo dentro dos grupos armados muda toda hora. Se quisermos entender o que está passando com esses meninos do Rio, precisamos ouvi-los. A segunda conclusão principal é: a única coisa realmente comum a todos os jovens que ingressam no crime é a presença de grupos ilegais armados na esquina de casa. Enquanto durar o controle territorial por traficantes e milícias em favelas do Rio, alguns jovens, às vezes sem muita convicção, vão experimentar "a vida", como eles dizem. Mas essa experiência às vezes é definitiva. Para o próprio ou para outro. O mesmo se passa com os carros, a velocidade, os esportes radicais, o risco e tantas coisas que "atraem" na juventude. Se não houver blitz, polícia, pardal e multa impedindo que um garoto pegue o carro do pai e acelere a 120 por hora numa curva, alguns jovens sempre vão "experimentar" essa sensação de perigo. E alguns vão matar e morrer.
Quem são as principais vítimas e autores da violência letal no Rio de Janeiro e qual a relação com o foco do estudo?
Silvia Ramos - Morrem 50 mil pessoas aproximadamente por ano no Brasil vítimas de homicídio. Nossa taxa de homicídios é a sexta maior do mundo, com 26 por 100 mil. Nossa taxa de homicídio de jovens de 15 a 24 anos é a quinta maior, chegando a 50 por 100 mil. No Rio de Janeiro, tomando apenas os jovens, a taxa ultrapassa os 100 por 100 mil. Quando olhamos apenas para os jovens do sexo masculino negros e pardos aos 23 ou 24 anos, a taxa de homicídios do Rio chega a 400 por 100 mil. No Rio, a morte violenta tem cara, cor e endereço: é um rapaz negro morador de uma favela, ou de um bairro da Zona Oeste, usando bermuda e boné. Os autores desses homicídios - ainda que não existam estatísticas para comprovar - são predominantemente jovens envolvidos em dinâmicas de grupos armados, em geral traficantes de drogas, que vivem nas favelas. Mas não só: no Rio, a polícia mata mais de 1000 pessoas a cada ano. Sempre nas favelas e bairros pobres. Por isso o foco do estudo foram as favelas e bairros da Zona Oeste do Rio.
O que se pode fazer para mudar esse cenário?
Silvia Ramos - Cabe ao governo e à polícia retirar os grupos armados que dominam áreas da cidade pelos fuzis e granadas. Cabe a nós, como sociedade, pensar em alternativas para rapazes que tiveram passagens pela vida de bandidos, em geral têm baixa escolaridade, mas desejam experimentar a "emoção de fazer parte da sociedade" ou de "andar livremente por Copacabana, Ipanema e Leblon, de cabeça erguida", como disse um jovem que saiu do tráfico e há um ano tem sua carteira assinada por meio de um projeto do AfroReggae. O AfroReggae está fazendo hoje, com mais de uma centena de jovens, aquilo que os governos deveriam se preocupar em fazer com milhares de garotos que estão nas favelas ou saindo das prisões.
Por que alguns saem do crime e outros não?
Silvia Ramos -Um disse que a namorada engravidou e ele precisava arrumar a vida. Outro disse que pensou na mãe, outro que viu um amigo sendo morto. Muitos disseram que a vida no tráfico é muito dura - 12 horas de trabalho, ganhando pouco, sob muito risco e ninguém fica rico. "A gente cansa, a ilusão acaba", disseram. O fato é que, com algumas exceções, quase todos os rapazes que hoje se encontram no tráfico aceitariam experimentar um emprego com carteira assinada e largar as armas. Poder circular livremente pela cidade é uma atração muito forte para garotos que têm armas, algum dinheiro e "fama" na favela, mas não podem levar a namorada ou o filho ao shopping mais próximo. Poder dormir uma noite inteira sem pensar que a polícia ou o "alemão" pode entrar, é um sonho que os que estão segurando as armas referem permanentemente.
Existem jovens que vivem uma "vida dupla"?
Silvia Ramos - Essa é outra novidade que encontramos. As identidades não são sempre puras, como "traficante", "estudante", "trabalhador", "bandido" ou "otário". Alguns garotos quando voltam da escola trabalham algumas tardes da semana na "endolação" (embrulhando as drogas), alguns trabalham de dia numa empresa e à noite ou no fim de semana prestam serviços para a boca. Outros são traficantes profissionais, mas paralelamente têm seus negócios inteiramente legais na favela. Se os negócios derem certo, planejam "sair do crime". Em resumo, as identidades instáveis, mutantes - ou as trajetórias ioiô, como denomina José Machado Pais - e a recusa aos rótulos também ocorre atualmente entre jovens de favelas e não só entre jovens de classe média.
Como é a hierarquia e a dinâmica no tráfico?
Silvia Ramos - A situação do tráfico nas favelas cariocas é bastante heterogênea. Não há mais padrões salariais, hierárquicos ou funcionais rígidos e a mudança ocorre não apenas de uma favela para outra, mas de uma semana para outra na mesma boca de fumo. O que predomina na maioria das comunidades é uma sensação de instabilidade, com chefes sendo mudados às vezes em semanas e muitos garotos novos tendo "muito poder", segundo palavras de traficantes e ex-traficantes entrevistados. Outra mudança importante é a mistura da função de traficante e de assaltante. É comum, em algumas favelas, que o traficante "vá para a pista" roubar, quando o movimento das drogas está fraco. Isso no passado era inconcebível e poderia custar a vida de quem desobedecesse.
E o crack?
Silvia Ramos - Ouvimos muitas reclamações e comentários indignados, inclusive de traficantes, sobre a entrada do crack e o estrago e degradação que está causando em algumas áreas.
O que mais mata os integrantes de grupos?
Silvia Ramos - Quando imaginamos as mortes nos grupos ilegais armados, sejam traficantes ou milícias, pensamos em grandes confrontos, onde o opositor é um policial ou um bandido de outra facção. Mas na prática mortes acontecem o tempo todo dentro dos grupos, por ciúmes, inveja, tensões interpessoais, familiares, namoros e às vezes por brigas típicas de adolescentes. A proximidade das armas contribui ainda mais para uma cultura masculina que naturaliza a resolução de conflitos na base do tiro. Um ex-traficante contou que era o "frente" da favela. Um garoto da boca foi pra rua e voltou com uma "twister", um tipo de moto. O frente pediu para dar uma volta, o garoto que trouxe a moto não deixou, disse que ele que roubou, a twister era dele. O "frente" disse: "tu tá pensando que tá falando com quem?" E disso desenvolveu-se uma disputa de "autoridade" que teria sido resolvida à bala se o garoto não tivesse cedido a moto. Típica briga de adolescentes. De fato, Alba Zaluar, nos primeiros estudos sobre os grupos armados - gangues, quadrilhas e galeras - chama atenção para este fato. Mas nas condições atuais, de crise e desorganização das bocas de fumo, há uma radicalização das decisões tomadas na base de disputas insanas e um aprofundamento da cultura da morte. Eu pessoalmente estou convencida que boa parte das "invasões" e tentativas de "tomadas" de territórios entre facções ou em confrontos com a polícia, que provocam tiroteios toda hora, mortes, perdas de armas, munições, dinheiro e drogas para os grupos... isso tem muito pouco de racionalidade econômica. O que predomina é uma lógica de gangue.
E as milícias, também reagem na base do tiro?
Silvia Ramos - Essa foi também a reação inicial das milícias quando finalmente a polícia resolveu combatê-las, no início do governo Sergio Cabral: jogaram bombas em delegacias, ameaçaram autoridades, executaram policiais, aumentaram as mortes. Mas passados quase três anos, tudo indica que vários grupos de milícia respondem com maior racionalidade econômica às investidas da polícia e tendem a se tornar menos visíveis no território, menos ostensivos e mais silenciosos, para manter a venda de sinal de televisão, gás, participação no transporte etc. O fenômeno é relativamente novo e não é possível ainda definir uma tendência definitiva, mas parece que a incapacidade dos grupos do tráfico de adaptar a venda das drogas no varejo a um modelo que não dependa do controle territorial armado - modelos que predominam em todas as outras cidades do Brasil - será uma das causas de sua decadência em várias favelas do Rio.

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