terça-feira, 3 de agosto de 2010

Freire quer presidente atuante na economia

Sheila Wada

SÃO PAULO - Presidente do PPS - partido que em 2004 rompeu com o governo de Lula e que agora faz parte da coligação que tem José Serra (PSDB) como candidato à Presidência -, Roberto Freire é categórico ao afirmar que o "mercado" e os empresários têm papel importante numa gestão pública, mas não são determinantes.

Ele defende, assim como Serra, que o presidente da República interfira na política econômica. Também é convicto da necessidade da redução da jornada de trabalho e temeroso quando o assunto é a mudança dos índices de produtividade rural.
Em entrevista exclusiva ao DCI, Freire, expoente político de Pernambuco, revela que tentará novo mandato na Câmara Federal, desta vez por São Paulo. Há quatro anos longe da Casa legislativa, disse que se estabeleceu no estado por conta de compromissos de trabalho e da liderança que exerce no PPS. Confira, a seguir, trechos da conversa.

Qual o senhor julga ser a maior contribuição do PPS para o programa de governo do Serra?

O PPS participa com o companheiro Arnaldo Jardim [deputado federal-SP]. Temos contribuições, por exemplo, no campo da reforma política. Fui autor da primeira lei em tramitação no Congresso sobre o financiamento público de campanha, em 1981, ainda na época da ditadura. Isso é uma necessidade há muito tempo. Acredito que hoje, mais do que nunca, é necessário mudar o sistema eleitoral, quebrar a inércia da reprodução de uma representação cada dia menos legítima e de deterioração da própria representação. A atividade política no Brasil está num momento muito grave. Esse governo Lula, inclusive, piorou. O mensalão talvez seja o mais emblemático disso.

Parece ser uma unanimidade que a reforma tem de sair, mas ela não avança. O que acontece?

Num sistema presidencialista, como o nosso, se você não tiver um Executivo que deseje fazer, não se faz. É muito difícil você ter consenso num Congresso em que você está discutindo a sua própria formação. Eu tenho vários motivos para votar em Serra, este é um deles. Ele não vai fazer concessões para ter maioria num Congresso. Ele vai trabalhar politicamente, mas não vai entrar em processos espúrios, o que foi uma marca do governo de Lula.

Na área econômica, o que o senhor destacaria?

Aí eu tenho de ter um certo cuidado porque não só Serra é especialista no assunto como ele tem posições bem firmes. O que eu posso dizer é que, do ponto de vista econômico, nós temos muita identidade com o que ele pensa há muito tempo. Por exemplo, ele foi um certo crítico da política ainda no Governo FHC. E foi um dos motivos para rompermos com o governo de Lula, que deu continuidade a essa política. Ela só não demonstrou seu esgotamento porque a economia internacional, até pelo menos 2008, experimentou um crescimento. Claro que estamos um pouco melhor do que ontem, mas quando você compara com o resto do mundo a tragédia aparece. Até porque Lula é um grande cuidador de cemitérios. Se você pegar o governo vai ver o que já morreu pelo caminho: Fome Zero, Primeiro Emprego, o Banco do Povo, o PAC já ninguém fala mais. O pobrezinho ficou órfão porque ninguém fala da Dilma como mãe. O Brasil é um dos países que menos investe dentre os em desenvolvimento, tem a mais alta taxa de juros, tudo isso em detrimento do seu crescimento.

E a questão da equipe econômica homogênea que o Serra fala tanto?

Isso é uma coisa fundamental. O governo de Lula só não apareceu nenhuma grave crise dessa incongruência da equipe econômica porque, como eu disse, a economia mundial beneficiava tudo. Então ninguém se preocupava, por exemplo, em ter um vice-presidente da República que parecia um mote perpétuo, só falava contra os juros. De vez em quando está brigando a Fazenda com oBanco Central. Começa a faltar coerência interna. Quem tem de garantir essa coerência é o presidente da República.

Isso significa uma interferência?
Do presidente? Claro! Eu o elegi para isso. Esse é um grande drama do neoliberalismo: quem manda são as forças de mercado. Então, política para quê? Por isso voto em Serra. Eu respeito o mercado, claro, mas não é o mercado que vai mandar, não. Quem manda é a política, até porque o mercado não resolve tudo.

Isso não traz aquele temor que havia em trocas de governo?
O mercado tem de entender que não é ele que governa o Brasil. Quer um exemplo? Nos Estados Unidos o presidente Barack Obama fez uma regulamentação dura do sistema financeiro. E não era para fazer? Aqui, no Brasil, porque é Lula o mercado faz o que bem entende? Com Serra não vai fazer. Serra disse isso muito bem e as pessoas entenderam: Banco Central não é a Santa Sé.

O senhor foi ligado à área agrária. O que acha dessa proposta que está no Congresso sobre a reformulação dos índices de produtividade?

Eu acho algo meio perigoso porque eu não quero desorganizar o que no Brasil é algo muito importante na nossa economia. O que nós precisamos enfrentar são os nossos bolsões de miséria, que ainda está muito vinculada ao latifúndio, às áreas improdutivas. Hoje há uma população expressiva atendida em programas de reforma agrária no Brasil. Isso não é Serra falando, é o PPS, o Roberto Freire. Talvez num primeiro momento seja necessária uma avaliação dos que já foram beneficiados e de como estão. Ouve-se falar que em muitos desses assentamentos as pessoas ainda estão sobrevivendo de cestas básicas. Isso é uma incongruência. Índice de produtividade, se valer alguma coisa, é para que ele seja superado, não tem de ser analisado apenas para efeito de desapropriação.

Outro braço-de-ferro no Congresso é a questão da redução da jornada de trabalho. Qual sua avaliação?

Sou favorável. Tem um panfleto célebre na história da humanidade que é o Manifesto Comunista de Karl Marx. Sabe qual é a sua consigna revolucionária? A jornada de trabalho de 8 horas. Naquela época, você trabalhava 12 horas. Será que depois de mais de 100 anos, 8 horas ainda é algo que não pode ser mudado? Você pode ter uma sociedade com mais horas de lazer, até porque na economia moderna hoje lazer é um setor importante.

Os empresários são contrários...
Mesmo argumento do mercado. É importantíssimo o papel que eles exercem, mas eles não mandam no País. O processo democrático vai decantar o que nós devemos fazer, o que é melhor para a sociedade como um todo. Eu vou defender as 40 horas. E também quero avisar: isso não tem nada a ver com o programa do governo, isso é Roberto Freire, PPS.

Se esse item for para a próxima legislatura e um eventual governo de Serra for contrário, o senhor vai se manter favorável?

O PPS vota, claro. Até porque isso não é um assunto de princípios do governo.

O senhor foi crítico quanto à gestão de Lula. Mas, segundo mandato, índice de aprovação histórica... qual é o mérito do governo?

Não tem presidente nem primeiro-ministro que nesse período de boom econômico não foi bem avaliado. Não vamos esquecer que Fernando Henrique ganhou no primeiro turno porque a economia ia bem. A crise trouxe uma dura realidade para ele. Eu acrescento algo mais. Lula teve pouca oposição e se converteu numa celebridade. O governo de Lula é governo de eventos. Quem aparece todo dia na televisão tem popularidade.

Quando o senhor diz que o governo de Lula teve pouca oposição faz uma autocrítica?

Não... até porque a gente fez com ética, rompeu com o governo quando começou a discordar... Só que era um pequeno partido, a repercussão não era tão grande.

Presidente do PPS -partido que em 2004 rompeu com o governo de Lula e que agora faz parte da coligação que tem José Serra (PSDB) como candidato à Presidência-, Roberto Freire é categórico ao afirmar que "mercado" e empresários têm papel importante numa gestão pública, mas não são determinantes.

Ele defende, assim como Serra, que o presidente da República interfira na política econômica. Argumenta que o eleitor faz a escolha pelo administrador da nação e é inadmissível isentá-lo de decisões tomadas pelo ministro da Fazenda ou pelo presidente do Banco Central. "Eu respeito o mercado, claro, mas não é o mercado que vai mandar, não. Quem manda é a política", afirma.

Freire também é convicto da necessidade da redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Questionado sobre o posicionamento contrário dos empresários sobre essa questão, diz que seu posicionamento é o mesmo que vale para o mercado: "São importantes, mas não mandam no País".







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Os jovens e a reforma política

SUELY CALDAS - O Estado de S.Paulo
Há dias o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mediu o desencanto e a decepção dos jovens com a política e os políticos: o número de eleitores brasileiros de 16 e 17 anos - cujo voto é voluntário, não obrigatório - caiu de 2,55 milhões para 2,39 milhões entre 2006 e 2010. Espanto e tristeza para as gerações de pais e avós que passaram 21 anos de ditadura militar proibidos de votar e em 1989 correram com euforia às urnas para votar pela primeira vez para presidente. No trabalho, nas escolas e universidades, quando o assunto surge, os jovens expressam desilusão e um preocupante sentimento de aversão à política.


Afinal, o que há com nossos jovens?


A corrupção - que no governo Lula piorou, tornou-se corriqueira e banal - é o mal maior que abala a crença dos jovens, mas não o único. Neste item a sensação de indiferença e impotência ficou mais aliviada com a promulgação da Lei da Ficha Limpa, que arregimentou mais de 1 milhão de assinaturas de brasileiros indignados contra o cinismo e a impunidade de políticos. Eles têm recorrido à Justiça para garantir o registro da candidatura, e por vezes são bem-sucedidos, como no caso de José Sarney Filho, no Maranhão. Mas pelo menos agora há uma lei que afasta o mau político da vida pública e um portal para o eleitor fiscalizar o seu candidato.


E a União Nacional dos Estudantes, a histórica e combativa UNE do passado, liderou ou ao menos participou do movimento? Afinal, varrer do Congresso e de cargos públicos os corruptos é bandeira política histórica da UNE e tem enorme poder de sensibilizar os estudantes. Mas a UNE do presente abdicou dessa bandeira. Preocupada em arrancar cada vez mais verbas públicas do governo, não interessa à sua direção mexer num vespeiro que também a beneficia. Há dois meses a UNE recebeu de presente de Lula R$ 15 milhões para construir nova sede; levou dinheiro da Petrobrás; mais R$ 7,8 milhões do Ministério da Educação para pesquisar a história do movimento estudantil; e o dinheiro foi parar numa empresa de segurança em Salvador. Não presta contas a ninguém.


A subserviência financeira ao poder, a prática do peleguismo, a renúncia em liderar lutas políticas que desagradem ao governo, o silêncio omisso nas escolas e universidades fizeram da UNE uma entidade não respeitada nem reconhecida pelos estudantes. E é uma das razões que explicam a indiferença da juventude à política. Mas não a única. Ela faz parte do conjunto de ações de liderança que visam a despertar no jovem o interesse pela vida política, mas que não existem porque a UNE não cumpre sua função. Mas há outras razões até mais importantes, porque estruturais.


Na verdade, o que o País precisa é de uma Reforma Política maiúscula, que vai contrariar interesses da classe política, sim, mas é absolutamente essencial para fazer avançar a democracia, germinar a ética política em eleitos e eleitores, dar musculatura às instituições, proteger o cidadão de maus governantes e fazer progredir a educação e a consciência do voto. A reforma política deveria anteceder a todas as outras, porque estrutura, pavimenta, prepara terreno para as demais reformas de que o Brasil precisa. Apesar disso, vem sendo postergada há 25 anos. FHC reconhecia sua importância, mas empurrou-a para o Congresso; Lula simplesmente a ignorou.

Se quiser governar em paz, com seriedade e respeito aos brasileiros, o próximo presidente precisa enviar sua proposta ao Congresso no 1.º dia de mandato. E ela não pode se limitar à implantação do voto distrital. Isso é importante, mas o País precisa de regras que garantam uma relação mais limpa e ética entre governo e Congresso, sem o vergonhoso troca-troca com deputados, sem o loteamento partidário de cargos públicos que politiza e mediocriza a gestão pública. Regras que componham um cinturão protetor contra a corrupção, o desvio do dinheiro público, o financiamento sujo de campanha eleitoral.

É a falta dessas regras, a excessiva exposição do País a práticas políticas desonestas, a sensação de impotência para mudar o que está errado que estão na raiz do desinteresse e da aversão de jovens e adultos pela vida política.


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