domingo, 21 de dezembro de 2008

Crise econômica e aprofundamento da política neoliberal

Por Mario Malina


Não sou o menos crítico do governo Lula e muito menos o mais crítico do governo. Assim como no governo FHC eu não achava tudo maravilhoso, também não acho tudo uma desgraça no governo Lula.

O que me incomoda é o discurso ingênuo ou demagógico (acredito que seja demagógico) do presidente que está, por um lado, se gabando de ter efetivado todas as condições que o FMI impôs ao Brasil (iniciado no governo FHC com as privatizações) e, de outro lado, criticando os EUA e o FMI que não souberam fazer a lição de casa e deixou a crise tomar proporções mundiais. Além disso, disse ainda que o FMI não soube acautelar os EUA, maior economia mundial, da II maior crise de sua história e que arrasta o mundo junto com ela.

Entretanto, o FMI conseguiu atingir os objetivos, ou quase todos, nos países de terceiro mundo: “Quando recorreram ao FMI e ao BM em busca de socorro urgente, o que receberam, em vez do alívio do endividamento, foi um grosso pacote de medidas de “reajuste estrutural”: cerca de 115 condições sine qua non para a ajuda financeira desregulamentação da economia e das finanças, a derrubada das barreiras alfandegárias e comerciais, a drástica redução dos gastos públicos e serviços sociais, a privatização das empresas estatais e a eliminação de garantias e direitos trabalhistas, inclusive com o enfraquecimento dos sindicatos, de modo a permitir demissões em massa e tornar o mercado de mão de obra mais barato, mais dócil, mais flexível1”.

Realmente o governo americano e alguns países como a Inglaterra foram negligentes quanto à expansão descontrolada do mercado imobiliário, ao permitir o subprime de financiamento do setor imobiliário sem garantias de que haveria o pagamento dessa dívida pelos hipotecários às instituições financeiras, soma-se a isso, a bolha imobiliária americana, ou seja, os preços praticados são muito mais altos que o valor real dos imóveis.

A partir do momento em que não há o pagamento em massa aos credores começa a haver uma desconfiança exagerada, as instituições financeiras ficam receosas em oferecer crédito e dessa forma, a economia fica paralisada, pois, sem capital de giro as empresas não tem como produzir e sem produção ocorrem demissões de trabalhadores e o consumo de produtos despenca. Daí, estamos diante da recessão ou depressão, os economistas não chegaram a um consenso.

Essa, segundo especialistas em economia, é a maior crise depois quebra da bolsa de Nova York e depressão de 1929. Isso porque afetou a confiança e quebrou empresas no mundo todo, causando desemprego em massa nos países em que ela se instalou, na medida em que, num momento de recessão, retira o investimento em países estrangeiros para saldar eventuais dívidas com seus credores.

O FMI tem uma nova função agora, a de garantir o aprofundamento das medidas neoliberais globalizantes para manter o domínio do império americano. Esse novo objetivo se concretizou com a declaração2 do G-20 sobre os mercados financeiros e a economia, reafirmando a política neoliberal nos seus países. Pior que isso, com o Brasil na presidência do G-20, ou seja, debaixo de nossos próprios olhos.




G-20 de 4 para o FMI e o Banco Mundial

Os chefes de Estado e Governo dos vinte países de maior economia mundial, o secretário geral das Nações Unidas, o diretor geral do FMI e os presidentes do Banco Mundial, a Comissão Européia e o Foro de Estabilidade Financieira, se reuniram em Washington, no dia 15 de novembro de 2008. Nessa reunião, se curvaram ao FMI e ao BM, assinando uma declaração para aprofundar a globalização através de medidas que assegurem a compatibilidade com um sistema financeiro moderno e crescentemente globalizado, através de medidas de curto (até 31 de março de 2009) e médio prazo. O ítem 12 da declaração é o mais esclarecedor quanto às intenções do G-20 frente ao FMI:

“Compromiso con una Economía Global Abierta: 12. Reconocemos que estas reformas únicamente tendrán el éxito si están firmemente fundamentadas sobre un firme compromiso con los principios del libre mercado, incluyendo el império de la ley, el respeto por la propiedad privada, el comercio y las inversiones libres en los mercados competitivos y se apoyan sobre unos sistemas financieros eficientes y eficazmente regulados. Estos principios son esenciales para el crecimiento económico y la prosperidad, habiendo ya liberado a millones de personas de la pobreza y elevado sustancialmente el nivel de vida a escala global. Reconociendo la necesidad de mejorar la regulación del sector financiero, deberemos, sin embargo, evitar un exceso de regulación que podría obstaculizar el crecimiento económico y exacerbar la contracción de los flujos de capital, incluyendo a los países en desarrollo.”

Os países da União Européia têm condições de negociar os juros e as exigências para o financiamento de dívidas em pé de igualdade com o FMI devido à força do bloco econômico europeu, mas e os países do Terceiro Mundo como o Brasil tem o mesmo poder de negociação?

Apesar do discurso do Governo Federal contra o papel do FMI no mundo, o governo assinou declaração em que afirma: “Subrayamos el papel importante que corresponde al Fondo Monetario Internacional (FMI) en la respuesta a la crisis, nos complacen sus nuevas facilidades de liquidez a corto plazo e instamos la revisión ya en curso de sus instrumentos y servicios para garantizar la flexibilidad;”

A chamada flexibilidade faz parte do reajuste estrutural com a eliminação dos direitos e garantias trabalhistas e o enfraquecimento dos sindicatos. A tentativa de por fim ao imposto sindical foi uma tentava de enfraquecer os sindicatos. Novas pressões para flexibilizar os direitos do trabalhador brasileiro vêm por aí. Pelo visto, ao continuar nesse viés neoliberal vamos continuar de 4 com a caneca na mão pedindo esmola ao FMI e ao BM. Manda quem pode, obedece quem não tem juízo.

Esmola para os países de Terceiro Mundo

Na declaração em que propõem amplas medidas de aprofundamento do sistema neoliberal, sugere também a reformulação do FMI a médio prazo com o ingresso de membros de países subdesenvolvidos no Fundo: “Pusimos de relieve que las Instituciones de Bretton Woods debían reformarse de manera exhaustiva para que puedan reflejar de forma más adecuada los pesos económicos cambiantes em la economía internacional y ser más responsables de los retos futuros. Las economías emergentes y en desarrollo deberán tener más voz y representación en dichas instituciones.”

Apesar de ser uma proposta positiva, que favorece os países subdesenvolvidos, foi pequeno o avanço em relação às medidas que o G-20 se propôs a efetivar para manter a política neoliberal em seus países. Dominique Strauss-Kahn, Director Gerente do FMI, agradece: "’Es motivo de gran satisfacción que los dirigentes del G-20 hayan respaldado firmemente la importante función del FMI en la gestión de las crisis y la reforma de la arquitectura financiera internacional’, manifestó Strauss-Kahn. ‘Además de ayudar a algunos países miembros que están enfrentando circunstancias difíciles mediante un apoyo rápido y eficaz, creamos un servicio de liquidez a corto plazo y continuamos reviendo nuestros instrumentos y servicios financieros.’"3

Uma medida não tão neoliberal

A declaração também deliberou para uma regulamentação maior do mercado financeiro com medidas que tornem ele mais transparente e ao mesmo tempo responsável. Essa medida não agrada tanto assim o mercado, que agiu até aqui com mínima intervenção do Estado e vê agora o mesmo interferir na galinha dos ovos de ouro.

Remédio ou veneno contra o câncer neoliberal

Os efeitos negativos do neoliberalismo e da globalização estão aí para quem quiser ver. Há duas explicações para o comportamento e comprometimento do Governo Federal com o FMI: 1ª.) ele acredita que a saída para a crise é aprofundar esse sistema neoliberal ou 2ª.) acredita na tática suicida de quanto mais rápido o sistema neoliberal entrar em colapso melhor para a mudança desse sistema perverso.

Quem não te conhece que te compre

A perversidade e o cinismo do FMI chegam a ponto de advertir em artigo postado no site que “o avanço contra a pobreza está em perigo” com a desaceleração das economias mundiais fruto da crise financeira:

“El FMI advirtió que los avances en contra de la pobreza logrados por países de bajo ingreso de todas las regiones están en peligro como consecuencia de la profunda desaceleración de la economía mundial, fruto de la crisis financiera.

‘La crisis financiera más grave de las últimas generaciones ha empujado muchas economias avanzadas a la recesión. Por razones que les son ajenas, los países en desarrollo enfrentan serias dificultades en medio de la creciente escasez de crédito y el enfriamiento del comercio internacional’, declaró ante una conferencia de las Naciones Unidas el Subdirector Gerente del FMI Murilo Portugal.

‘Los avances recientes contra la pobreza y las mejoras del nivel de vida se encuentran en peligro, especialmente en los países de bajo ingreso’, manifestó Portugal el 1 de diciembre en su intervención ante la Conferencia de las Naciones Unidas sobre la Financiación para el Desarrollo, celebrada en Doha, Qatar4.”

Murilo Portugal, subgerente do FMI, se refere à crise mundial como se o Fundo não tivesse responsabilidade sobre ela, como se a globalização não tivesse efeitos negativos sobre a economia, ou seja, a culpa é da desaceleração da economia e não da globalização e as medidas que os países tomaram para favorecer os interesses capitalistas americanos e do primeiro mundo.

O artigo refere-se à pobreza como se o pacote neoliberal fosse criado para resolvê-la e não para garantir lucros cada vez maiores às empresas norte-americanas e aos governos de países desenvolvidos, como se não tivesse sido criado como forma de dominação, de um neocolonialismo sobre os países de Terceiro Mundo.

O balanço do encontro é o aprofundamento das contradições geradas pelo neoliberalismo e pela globalização econômica financeira. O capitalismo vive ciclos de crise e crescimento e esta não é a primeira crise pós-reajuste estrutural, tivemos a crise da Ásia, Argentina, China, e outras, mas certamente esta crise americana é a pior, pois é a crise da maior potencia econômica mundial, se alastrando por todo o planeta com efeito dominó. Essas medidas que visam o aprofundamento do modelo econômico americano irão aprofundar as contradições do sistema e a próxima crise pode levar todo mundo para o buraco. O G-20 está pagando para ver. Façam suas apostas!

Perdemos a oportunidade histórica de negociar novas formas de socializar os ganhos e dividir poder das instituições financeiras internacionais, bem como reduzir a desigualdade entre os hemisférios norte e sul, instituindo um fundo para diminuir a pobreza e a desigualdade no mundo com parte dos lucros do FMI e Banco Mundial. Mais uma vez nos submetemos a globalização neoliberal para socializar as perdas, mas os lucros são privados. O FMI e o BM não precisaram se esforçar para aprofundar as desigualdades em curso entre o hemisfério norte e sul e dentro dos países subdesenvolvidos.