sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Liderança na América Latina: Estados Unidos não quer e Brasil Não pode.

Ai está uma questão interessante.

Recebi de um amigo texto de Carlos Alberto Montaner, espanhol que tem um blog chamado Firmas Press. O post, no caso, foi publicado pelo Miami Herald, jornal com forte presença na comunidade latina dos EUA e acabou repercutindo.

Estados Unidos no quiere y Brasil no puede – original em espanhol, com versão em inglês, a publicada no MH – trata diretamente da existência de liderança continental, ou não, na AL. Carlos Alberto comenta a tentativa de transferência de comando dos americanos para os brasileiros e declara o Brasil incapaz dessa missão.

Conforme o texto:

“Pero hay algo más trascendente que todo eso: Brasil no tiene la menor vocación de potencia regional. Siempre ha vivido de espaldas a Hispanoamérica (y viceversa), y, por lo menos desde el establecimiento de la república (1889), no siente el deseo de imponerse y dirigir a sus vecinos, lo que no le ha impedido despojar de algunos territorios limítrofes a Argentina, Paraguay, Bolivia, Guyana, Perú y Colombia”.

E....

“Liderar cuesta dinero, a veces hay que utilizar la fuerza, y el país, que ni siquiera consigue poner orden en las favelas, lleva demasiado tiempo volcado hacia dentro para reinventarse a estas alturas como los Estados Unidos de Sudamérica. No le interesa. No lo desea. No puede. No tiene fuerzas. Pretende, en efecto, ser importante, pero sin asumir responsabilidades internacionales. Nada de esto quiere decir que Brasil no sea un sitio agradable y divertido para vivir, más grato que muchos países hispanoamericanos, sino que es absurdo pedirle peras al olmo. Nunca funciona”.

Dá para perceber que o autor não tem muita simpatia por nós, como nação,claro. Em parágrafo anterior retira do livrinho da CIA com informações sobre os países, o CIA Fact Book, baixado sem problemas pela internet, inúmeros dados como distribuição de renda (segundo ele o Índice de Gine é de 56,7, quando na verdade é, para 2008, 49,3, embora, claro, continue sendo uma das maiores concentrações de renda do planeta ) e o Índice de Corrupção da Anistia Internacional ( esse também é pesado: 3,5, contra o Chile, por exemplo com 7. Obs: Esse índice funciona ao contrário do de Gini, quanto maior o número mais perto do modelo perfeito ). Esse são fatores econômicos e institucionais que limitam, segundo Carlos Alberto, de forma concreta nossas pretensões continentais.

Talvez nossa proximidade com o Irã e a Venezuela tenham motivado tanto fervor. Em outro post, datado de 20 de setembro, La norieguización de Hugo Chavez, Carlos Alberto desanca Hugo Chavez acusando-o de conspirar com o Irã numa ampla aliança do narcotráfico com o terrorismo e de ser um perigo para a sobrevivência da democracia americana. Nessa forma de raciocínio dar ao Brasil acesso à liderança continental seria dar aos seus aliados – Venezuela/Irã – um ponto de apoio. Certamente isso afeta estrategicamente a liderança americana e sua democracia etc...

Enfim, o texto é claramente escrito para os americanos. Logo no início o autor comenta o desinteresse americano na liderança da região em decorrência do fim da guerra fria e o que ele quer é demonstrar que o fim da guerra fria foi o começo da guerra contra o marco-tráfico associado ao terrorismo antiamericano.

Lendo o post não estamos muito longe do terreno ideológico da direita mais ativa america e dos cubanos de Miami. Não por acaso a publicação é do MH.

Agora vem a questão mais importante: Tudo bem o texto é de uma pessoa interessada nas questões da geo-estratégia americana, na manutenção do american way of life e tudo mais, mas na base, a premissa está ou não errada? O Brasil tem ou não condições objetivas, interesse e necessidade de assumir a liderança continental?

Constatemos o que o autor constatou: O final da guerra fria desmobilizou a política latino-americana dos EUA. De certa forma foi importante que isso ocorresse, pois os países latino-americanos puderam correr seus próprios riscos, para o bem ou para o mal, sem a “tutela” do grande irmão do norte. De outro lado essa retirada abriu espaço para a presença brasileira no continente, coincidindo com a crescente industrialização e sofisticação da economia. Empresas brasileiras hoje têm um pé firme em diversos países da região. Esse é um processo natural de expansão de uma economia local sobre a economia regional. O quanto essa questão objetiva chama a liderança continental e o quanto essa liderança é viável. É outro departamento.

O atual governo tem todo um discurso, repetido à exaustão, tanto sobre o combate à pobreza em escala planetária, quanto ao papel dos emergentes na liderança da economia mundial e, especialmente quanto ao nosso “destino manifesto”.  Tem sua própria lógica de formação de alianças “terceiro-mundistas”, aproximação com a China, ações não conflitivas com os americanos. Enfim, o que o atual governo vem buscando é a consolidação da presença brasileira no plano mundial. Quanto a essa vontade é claro que não depende apenas que fatores econômicos ou de termos uma democracia instalada. Também existe uma condição de consolidação das instituições, essa uma questão não resolvida. Existe o problema de termos uma economia, na prática, ainda muito fechada. Enfim, papel e peso na economia mundial são muito mais que vontade. São resultantes de uma ampla gama de questões e não temos soluções para todas no momento. O fato de órgãos multilaterais apontarem o Brasil como “celeiro do mundo” não ajuda muito no caso. Também não ajuda o nosso incensado Pré-sal.

A formação de uma liderança continental brasileira pode ser outro departamento, mas passa por todas essas questões, adicionadas as já existentes como a questão da democracia e do populismo em diversos países, a extrema disparidade entre as economias locais, o estilo nacionalista voltado para o fechamento das economias locais, a intensa competição regional, o desconhecimento que temos da América espanhola e mais uma dezena de outros problemas.

Para encerrar podemos adicionar o fato de que esse é um debate que não passa pela sociedade brasileira. Nisso também Carlos Alberto está certo. É mesmo como a letra de uma música...De frente para o mar, de costas para o Brasil, mas ampliada: De frente para a Europa, EUA e Ásia, mas de costas para a América Latina.


Demetrio Carneiro