quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

OPNIÃO

24/12/10 - 00:00 >

A União dos Estudantes pobre e rica

A União Nacional dos Es

tudantes era a grande Universidade livre da juventude brasileira. Nenhuma entidade no País foi tão representativa. Era mais do que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), porque a ABI, em geral muito fechada, em determinados instantes cumpriu belo papel, mas em outros tornou-se velhota, corporativa.

Aberta, calorosa, briguenta, a UNE travava uma luta interna permanente, democrática, sempre à frente das grandes batalhas públicas do País, mesmo quando sua diretoria se dobrava demais aos governos.

Nasceu na Casa do Estudante do Brasil, no Rio, no primeiro Conselho Nacional dos Estudantes, em 11 de agosto de 1937, na ditadura Vargas. A primeira diretoria oficial, saída do II congresso, foi a de 1938 a 39, presidida pelo gaúcho Waldir Borges. O III congresso, de 1939, elegeu o paulista Trajano Pupo Neto. No IV congresso, de 1940, foi eleito o carioca Luís Pais Leme.

Direita

Era pleno começo da guerra, os estudantes nas ruas exigindo que o Brasil declarasse guerra ao nazi-fascismo. Sobretudo por isso a UNE nasceu na esquerda. Em 1942 o presidente era o carioca Hélio de Almeida.

De 1947 a 50, as diretorias da UNE eram francamente socialistas, ligadas ao Partido Socialista, inclusive, no congresso da Bahia, em 49, quando venceu o socialista paulista Rogê Ferreira, que depois renunciou, substituído pelo também socialista carioca José Frejat.

Em 1950, veio afinal a dupla udenista, mineiro-paulista, Olavo Jardim-Paulo Egidio, que comandou a UNE até 54 , transformando-a em um departamento do ministério da Educação. Em 1954, conseguiu-se uma chapa de unidade, esquerda e governistas, com o Netinho de São Paulo.

Esquerda

A partir de 1956, acabou o reinado da "direita", com a aliança JUC (Juventude Universitária Católica) e UJC (União da Juventude Comunista), apoiando João Batista de Oliveira Junior, o Batistinha de Juiz de Fora.

E veio outra histórica administração, a do baiano de Jaguaquara Raimundo Eirado em 1958-59, com o mineiro Sepulveda Pertence na vice. Em 1961 e 1962, Aldo Arantes, de Goiás.

Nem o golpe militar de 1964 impediu que a UNE continuasse comandada pela aliança dos cristãos da AP (Ação Popular), criada pelo Betinho, com os comunistas da UJC. Em 1963, no último congresso na legalidade, foram eleitos José Serra presidente e Marcelo Cerqueira vice.

Golpe de 64

Na madrugada de 1º de abril, o golpe de 1964 incendiou a sede da UNE, no Flamengo 132, fechou a entidade, depois matou um presidente da UNE, Honestino Guimarães e quase mata outros, como Luís Travassos e Vinícius Caldeira Brant. Em toda a ditadura a UNE resistiu na ilegalidade.

Depois da anistia de 1979, elege-se presidente em 80 o alagoano-paulista Aldo Rebelo, do PCdoB, e, por ironia da história, a reconstrução da UNE foi feita em nome de sua desconstrução. Deixou de ser a grande Universidade livre da juventude para tornar-se desossada, desconstituída, esquartejada, um medíocre e corrompido escritório eleitoral do PC do B.

Escola

Meu terceiro congresso da UNE, no fim de 1954, na Universidade Rural no Rio, foi um mestrado, aos 22 anos. Conheci grandes companheiros da direção nacional da UJC, que não participavam diretamente do congresso porque já haviam deixado a Universidade, mas davam "assistência", de fora: Costa Neto, um quadro político excepcional, Hélio Bloch, Paes Leme, Hadock Lobo, outros. E o Roberto Las Casas, de Minas.

De outros aliados, estavam lá o José Gregori de São Paulo, o José Batista de Oliveira Junior, o Batistinha de Juiz de Fora, que em 1956 seria presidente inaugurando uma nova era. A UJC (União da Juventude Comunista) chegou ao congresso com a tese da unidade. Lançamos um jornal com várias edições diárias, o "Jornada", dirigido pelo Murilo Vaz.

Unidade

Eu virava dia e noite. Escrevia 15 horas por dia. Uma manhã, fui encontrado dormindo, com a cara enfiada na máquina de escrever, as letras agarradas no rosto. A tese da unidade foi lançada em um competente discurso do aliado José Gregori. Acabou eleito, numa chapa única, o Augusto Cunha Neto, Netinho, mineiro de Cataguazes, estudante de Direito em São Paulo, substituindo o João Pessoa de Albuquerque, candidato do eterno Olavo Jardim Campos, do Andradinha, da "direita".

Não deu certo. Os governistas, numa diretoria meio a meio, não deixavam o Netinho fazer nada. Ele não aguentou, renunciou e preferiu ser, anos depois, vereador em Cataguazes, pelo MDB.

Criou-se uma Junta Governativa para concluir seu mandato, presidida pelo Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, que acabava de perder para Flávio Tavares a presidência da União dos Estudantes Gaúchos. Simon recuperou o prestigio da UNE e em 56 a esquerda ganhou com o Batistinha.

Lula

É uma bela história. Não merecia a ironia, embora verdadeira, de Lula, no lançamento da pedra fundamental da nova sede, na mesma Praia do Flamengo, 132, com um belo projeto do gênio imortal de Oscar Niemeyer:

- "A UNE nunca foi tão rica". (E tão insignificante).